terça-feira, 24 de maio de 2011

 ( Mínimo acorde)



Não enfretarei o mundo 
sem a presença de minha sombra.

Embora pareça triste, 
apresso-me pelo encanto 
do sal surpreso
pelo sabor do vinho.

Izento-me do medo 
da geografia da palavra .
no limite de meus versos
ardem ainda 
as plumas do amanhã 
incendiado.



Genoma de Passarim
                                             
Desde menino meu canto
Tem no faro, uma flor
Que abroiou por encanto
Na lira dos cantador
Rima de rama morena
 Que até parece que pena
 Por toda sorte de dor
 Igual, que nem desenhada
 Por um milagre, plantada
No coração do amor.


É canto, que em seu tear
Afina o fio da rede
No assobio do alguidar
No armador da parede
Cantiga , que se imbalança
Acalentando a esperança
Pra ver o tempo florir
Vai mansamente espalhando
O som do sonho chegando
 Pro sono querer dormir.

De cantar, o meu destino
Madurou, florou no grão
Se endoidou, de menino
Pra crescer sem solidão
É pra cantar que eu vivo
E só cantando cultivo
Frutos que não tem ispim
Semeio o chão de beleza
Pois Deus me deu concerteza
Genoma de Passarim.



Noite pastorada
 
 
Na velhice
das metáforas
chega essa noite.
 
Em seu úbere sem idioma,
A lenda eterniza
a raiz de uma velha
Sombra esclerosada.
 
No chão
as pedras  confabulam
a criação de um longo cemitério de  magrezas.
 
Há rezas
sendo recitadas
em vão, nos casarios.
 
Uma fome come as tripas da  tarde
Que já  se desfia sem ternura
Sob o solo de envelhecidas
mãos desenganadas.
 
 

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bendido



Bendito louvado seja,
Teu olhar por calmaria
Pois o meu verso peleja
Na carne da cantoria
Veleja, beija a topada
feito uma unha encravada
no chão da desalegria.


Bendito seja teu nome
Semente que fulorou
No sertão de minha fome
Virou, fruto se adoçou
no sumo da precisão
mas só deixou solidão
e  seu amor, me negou.


Bendito o beijo, carpido
Que o desejo espalha
Me faz um doido varrido
Correr em chão de navalha
Corte de morte escrevida
Lá salmoura da vida
Que a mão da dor esmagalha.

Seja bendito teu cheiro
Que é faísca desenhada
A despejar mais ligeiro
Toda ternura enlinhada
Na Lâmina duma chama
Que pelo vento derrama
A minha rima inflamada.

Pra sempre seja bendito
O teu zoím vaga-lume
Que no lume do infinito
Alumiou meu ciúme
Relampejou a querença
Me roubou a paciênça
Deixou somente o queixume.

 
 
Aqui estou sem pátria e sem poema.
A noite desce com seu furor sobre meus ombros.
A noite, com sua gilete de espasmos,
sacode em mim sua fuligem
E me aninha sob seu  caule de augúrio.
Não sou,  aquele que retornou do mar.
Não sou o fantasma da encosta,
respirando as cinzas dos mortos
cremados pelos relâmpagos.
Jamais profanei o nome da ira
 que carrego no bolso em forma de canção.
Renunciei, um dia, a voz das águas do exílio,
E eternamente espero me salvar
das garras do silêncio.
Como algum louco
que desenhasse no chão das  tempestades
os  pedaços da carne de seus versos.


 
 
Antiacalanto 
 
 
A noite caminha
sob a salmoura das pedras.
 
E nas águas
encaliçadas que vigiam
 os espectros dos homens,
passam as caravanas 
descascadas das ventanias.
 
A fome  
engilha seu bigode
sob a carne das lombrigas.
 
Abriga em seu úbere o sal das buganvílias
 também estorricadas  pela poeira dos caminhos.  
No chão calcáreo, os vestígios da morte
 asssobiam  palavras sem usos,
que esqueceram seu genoma
 nos  ossos da metáfora.
Não se vêem tropeiros
 assoletrando seus dialetos
nas tardes espoliadas.
 
Nos grotões, flutuam as burras emplumadas
 pela memória dos cascos areentos.
Os pássaros roem
o anoitecer
 e constroem
uma flama infatigável
que engravida
 as casas abandonadas.
 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Tratado agreste



A seca infernizava
a paciência dos mais velhos
e ia tirando a cor das matarias de vagar,
Roendo cada esperança,
Deixando no chão os seus vestígios.

No tempo, cirandava o desespero
Como um desacato que salpicasse
a aflição nos olhos das mulheres.


Um murmúrio em cinza
desterrava das sombras do dia,
Erguia sob os tabuleiros
a cantiga extenuada do tormento.

Dignficando o nome da tristeza
O poema que havia
sabia-se tão pesaroso
Que sequer pelejava um repente
com os sabugos
Refugados da safra antepassada.

Estilhaços de ventanias
grafavam na aurora
Um olhar futuro.

Um tratado agreste haveria de ser cumprido.
Mesmo que secassem as cacimbas,
evaporassem vagarosamente os açudes,
e as nuvem chupassem para o céu
todas as piabas e tilápias,
Continuaríamos ali. Forcejando ladainhas,
Desfiando um rosário de esperanças.
Pois é nosso oficio lamber nesse chão
o sabor de nossos sonhos.
Eu passarim


Veio o amor se achegando
serenando decidido
foi brincando, se ajeitando
sem mostrar seu estampido
começou abrir caminho
porque me achou sozinho
sutilmente se aninhou
só falou vai ser assim:
Você fulô, eu passarim...


Trouxe então pra minha vida
A certeza da canção
Já trazia a despedida,
escondida em sua mão
preparou o seu roçado
deixou todo semeado
e cantando desenhou
A luz do teu zoim
no verde do capim
te desenhou fulô, eu passarim



Sereno e tão sagrado
O amor me pôs na voz, uma alegria
Me disse condenado
Ao pão da solidão e da poesia
O amor nada negou nem jurou nada
Apenas me entregou a madrugada
E do tanto que plantou
Eu só colhi a dor do ispim
Você pra ser fulô, eu passarim


Marcou-me o coração
A ferro e fogo e fez-me desejar
Cortar o seu ferrão
e do debruço do soluço me atirar
pra só assim poder fugir
enfim ao seu encanto
aprendendo renascer no sal do pranto
Mas o amor, sorrindo me mostrou
Que a vida inteira passaria em mim
Você minha fulô, eu passarim.